Em 2024, a Justiça do Trabalho brasileira alcançou um recorde alarmante: mais de 258 mil ações foram abertas por profissionais que buscavam o reconhecimento de vínculo empregatício. O aumento de 57% em relação ao ano anterior reflete uma transformação silenciosa, mas profunda, nas relações de trabalho. No centro dessa mudança está a pejotização — prática que, ao mesmo tempo em que promete autonomia, pode esconder riscos legais e sociais. Foi sob esse cenário que o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu todos os processos trabalhistas que envolvem essa forma de contratação, à espera de uma decisão definitiva da Corte. Um ponto de inflexão que pode reescrever o futuro do trabalho no Brasil.
Você vai ler:
- O que caracteriza a pejotização?
- Quando a pejotização é crime?
- Qual a diferença entre contratação legítima como PJ e a pejotização fraudulenta?
- Por que a reforma trabalhista e o julgamento do STF impulsionaram o crescimento da pejotização?
- Quais os impactos econômicos da pejotização para o governo em termos de arrecadação e previdência social?
- O que está em jogo no julgamento do STF sobre a legalidade da pejotização?
- Perguntas e respostas sobre a pejotização
- Como a pejotização pode afetar os direitos sociais e a estrutura sindical no país?
O que caracteriza a pejotização?
A pejotização ocorre quando um profissional, ao invés de ser contratado via CLT, é enquadrado como Pessoa Jurídica (PJ). Em outras palavras, ele é “transformado” em empresa para prestar serviços como se fosse autônomo, mesmo atuando de forma idêntica a um funcionário tradicional. Essa prática, quando legítima, pode beneficiar profissionais com real autonomia e flexibilidade. Um designer freelancer que atende múltiplos clientes, por exemplo, se encaixa perfeitamente nesse modelo.
Contudo, quando esse mesmo designer é contratado por uma empresa, obrigado a cumprir horários rígidos, receber ordens diretas e não pode recusar demandas, estamos diante de uma pejotização fraudulenta. Nesse caso, o CNPJ serve apenas como fachada para burlar direitos trabalhistas como 13º salário, férias, FGTS e contribuição ao INSS.
Historicamente, a prática ganhou força após a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou regras e incentivou terceirizações. Desde então, muitas empresas passaram a adotar contratos PJ mesmo em funções essenciais, disfarçando vínculos empregatícios. Assim, a pejotização se firmou como um fenômeno polêmico e cada vez mais comum no Brasil.
Quando a pejotização é crime?
A pejotização se transforma em crime quando usada de forma dolosa para fraudar direitos trabalhistas garantidos pela CLT. Isso acontece quando uma empresa exige presença diária, estabelece horários, determina metas e oferece remuneração fixa a um “prestador PJ”, sem qualquer autonomia real.
Nesse cenário, a Justiça do Trabalho pode enquadrar a conduta como fraude contratual, violando os princípios da dignidade do trabalhador e da função social do trabalho. O artigo 9º da CLT é claro: atos que tentem desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista são nulos de pleno direito. Portanto, a empresa pode ser penalizada, obrigada a pagar todos os direitos retroativos e, em casos mais graves, responder por crime contra a organização do trabalho.
Qual a diferença entre contratação legítima como PJ e a pejotização fraudulenta?
A fronteira entre a contratação legítima e a pejotização é definida por autonomia e subordinação. Um profissional que atua como PJ de forma legítima possui liberdade para organizar sua agenda, definir como executará os serviços e escolher seus próprios clientes. Nessa relação, há independência jurídica, econômica e operacional.
Já na pejotização fraudulenta, mesmo com um CNPJ, o trabalhador está subordinado à rotina da empresa. Ele não tem controle sobre seus horários, responde a um chefe direto e depende exclusivamente daquela fonte de renda. Ou seja, há todos os elementos de uma relação de emprego.
A CLT prevê, em seu artigo 3º, que caracteriza-se como empregado toda pessoa física que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal. A jurisprudência também caminha nesse sentido: se há vínculo, não importa o rótulo jurídico usado, é emprego, e ponto final.
Por que a reforma trabalhista e o julgamento do STF impulsionaram o crescimento da pejotização?
A reforma trabalhista de 2017 e o julgamento do STF em 2018, que legalizou a terceirização da atividade-fim, abriram caminho para o avanço da pejotização. Ao flexibilizar as formas de contratação, o discurso da eficiência econômica ganhou força, especialmente em setores que buscavam reduzir encargos trabalhistas.
Empresas começaram a enxergar na pejotização uma solução para cortar custos. Afinal, sem pagar INSS, FGTS ou férias, o modelo PJ se tornou financeiramente atraente. O Supremo, ao validar a terceirização até mesmo nas funções centrais das empresas, enviou uma mensagem: o contrato tradicional não é mais a única via legítima.
Assim, o mercado respondeu. De 2018 em diante, os números de processos por vínculo disfarçado cresceram vertiginosamente. A jurisprudência ainda se equilibra entre decisões da Justiça do Trabalho e os precedentes do STF — uma tensão jurídica que ainda aguarda definição.
Quais os impactos econômicos da pejotização para o governo em termos de arrecadação e previdência social?
O impacto da pejotização vai além das relações de trabalho. Ele também corrói a arrecadação do Estado. Um estudo da FGV estima que, se os profissionais PJ contratados entre 2018 e 2023 tivessem vínculo formal, o governo teria arrecadado entre R$89 bilhões e R$144 bilhões a mais.
A explicação é simples. Um trabalhador com carteira assinada gera contribuições para a previdência, FGTS e impostos incidentes sobre a folha. Já o PJ, dependendo do regime tributário, contribui com muito menos — e, em alguns casos, quase nada. Além disso, muitos nem sequer recolhem para o INSS, o que compromete o futuro da aposentadoria.
Portanto, a pejotização generalizada representa um risco fiscal. Menos arrecadação hoje, mais despesas amanhã. O Estado perde força, e a sociedade paga a conta.
O que está em jogo no julgamento do STF sobre a legalidade da pejotização?
No dia 14 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos trabalhistas relacionados à pejotização. O Supremo agora terá que resolver três questões cruciais: a legalidade da contratação PJ, a quem cabe o ônus da prova em caso de disputa, e se a Justiça do Trabalho pode julgar essas ações.
O que está em jogo é o modelo de trabalho no Brasil. Uma decisão que valide amplamente a pejotização pode mudar completamente a estrutura do emprego formal. Por outro lado, uma limitação clara dessa prática pode fortalecer a proteção dos trabalhadores.
Assim, o STF não julga apenas um tema técnico. Julga o futuro do trabalho, da previdência e das relações sociais em todo o país.
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Perguntas e respostas sobre a pejotização
Longe de ser mágica! Vemos como estratégia com cautela e planejamento, focando na conformidade legal e tributária.
O mito de que “PJ não tem direito nenhum”. Explicamos a importância da negociação inteligente e de contratos juridicamente sólidos.
A recaracterização do vínculo empregatício, gerando um pesadelo de cálculos retroativos, multas e processos.
Ambiguidade, oferecendo flexibilidade e ganhos, mas escondendo armadilhas legais e tributárias.
Sobre um “manual automático” para pagar menos imposto ao virar PJ, quando existem estratégias tributárias lícitas
Como a pejotização pode afetar os direitos sociais e a estrutura sindical no país?
À medida que a pejotização avança, os direitos sociais encolhem. O trabalhador PJ, diferentemente do celetista, não tem férias remuneradas, 13º salário, licença maternidade ou FGTS. Além disso, não contribui automaticamente para a previdência.
Mas o impacto vai além do indivíduo. A estrutura sindical, baseada na negociação coletiva entre categorias organizadas, enfraquece. Sem vínculo formal, não há representação sindical. E sem sindicato, desaparece a principal ferramenta de equilíbrio na relação entre capital e trabalho.
Enfim, a pejotização não é apenas uma mudança de regime contratual. É uma mudança estrutural. Uma ruptura silenciosa que ameaça décadas de conquistas sociais.
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